segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

HAY QUE ENDURECER PERO SEM CONGELAR

O mundo nos exige resistência. Ele não pede não, exige.

Já na primeira tarefa do dia, resistimos. Ao sono. E depois, seguimos por um cotidiano minado de testes de resistência. Resistir aos impulsos, insistir no relatório. Não cair em tentação, não deixar a peteca cair. Segurar a onda do namorado, segurar marido, segurar as despesas, segurar o choro, segurar as expectativas, estar seguro.


Desde cedo, passamos por um treinamento espartano para o endurecimento. Na escola, na família, com a turma de amigos, com o pessoal do trabalho. A ordem é endureça-se. Afinal, você não quer parecer uma criança mimada e muito menos um maricas. Vamos, fique firme, não esmoreça, desse jeito vão achar que você é fraco, ou pior ainda: um fracassado. Não, não, tudo menos isso!


Ser tachado de fracassado em nossa atual sociedade é pior que qualquer coisa. Um homem pode ser o cidadão mais infeliz do mundo, mas não pode receber este temido adjetivo (temido, não, pois só tem medo quem é fracote). E por quê? Porque isto afirma que ele não se adaptou, não obteve o tal sucesso, não venceu na vida o coitado. Pois é aí que mora a raiz da questão, no conceito de vencer. Ora, para existir um vencedor, é preciso que haja um perdedor, é preciso uma comparação, uma competição. O que foi, tá com medinho de partir pra briga? Olha lá, não vá amarelar, hein! Desse jeito vão ficar com pena de você, já pensou que vergonha!


É a lei da selva. A floresta agora é cinza, mas a competição continua reinando. Se na época das cavernas vencia o fisicamente mais forte, agora vence o emocionalmente mais endurecido.


Sabe, andei pensando, o que adianta vencer (entre aspas) se muitas vezes isso não significa ser feliz? Isso aqui não é livro de autoajuda (coisa para os fracos), é pura constatação. Não seria muito mais coerente buscarmos vencermos a nós mesmos, nossas batalhas internas e externas? E para esta história ficar mais atrativa, podemos nos dar um prêmio de recompensa quando ganhamos. O prêmio pode ser material, como o vestido da vitrine que virou seu pescoço quando você passava na calçada ou aquele novo jogo de videogame cheio de aventuras fantásticas (nessa frase, pode-se substituir as palavras vestido e jogo de videogame por artigos como carros ultrapotentes, joias ofuscantes, bugigangas high techs ou qualquer outro aparato que o dinheiro possa comprar). Mas logo você cansa do vestido e o novo jogo ficou velho. De nada adiantou.


Foi aí que tive outra ideia. O melhor estímulo que podemos ter para ultrapassar nossos obstáculos é um prêmio invisível: o direito de amolecer. Este sim é um galardão valioso, concedido a poucos. Para conquistá-lo é preciso passar por provas muito mais complexas como assumir fraquezas, emocionar-se em despedidas, aceitar que dias tristes existem, chorar perdas, ficar de luto até que a vida renasça em suas mais belas formas. E por falar em beleza, somente os raros homens e mulheres que se permitem passar pelo processo do amolecimento têm o privilégio de enxergar a real beleza da vida. Esses deixam-se derreter com uma música tocante, um abraço forte, palavras que falam ao coração e gestos que nos tiram de um cotidiano brutalmente competitivo e de padrões congelados em uma sequencia frenética e automática.


Derreter-se não quer dizer fragilizar-se. Depois de aquecer a alma com o calor das emoções, solidificam-se sensações extremamente consistentes. Cria-se o que se chama de resiliência, um superpoder que somente os corajosos podem conquistar. Ser resiliente é aceitar os seus medos e dificuldades e nem por isso correr deles. É ser firme, sem precisar ser duro. É ter a ousadia de errar e a capacidade de se recuperar. É ser forte, sem precisar substituir uma pedra de gelo por um coração pulsante, cheio de emoções para sentir e amor para doar. Afinal, o amor não sai de moda, não envelhece. Amor é bom, todo mundo gosta, mas só existe para os corajosos.


Bom derretimento!



Classificado em 4º Lugar no 3º Concurso de Crônicas da ALARP